Bebidas Adulteradas com Metanol e Responsabilidade do Comerciante
Recentemente surgiram denúncias de que bebidas alcoólicas adulteradas com metanol têm causado intoxicações graves, levando até a casos de morte. As investigações confirmaram pelo menos três mortes no Estado de São Paulo em vítimas que consumiram destilados adulterados. Minas Gerais já viveu tragédias semelhantes: em 2019, a cerveja “Belorizontina” da Backer foi contaminada, intoxicou 29 pessoas e matou 10. Esses casos reforçam a urgência de fiscalizar a procedência das bebidas e entender os direitos do consumidor.
Pablo Morilhas
10/1/20254 min read


Recentemente surgiram denúncias de que bebidas alcoólicas adulteradas com metanol têm causado intoxicações graves, levando até a casos de morte. As investigações confirmaram pelo menos três mortes no Estado de São Paulo em vítimas que consumiram destilados adulterados. Minas Gerais já viveu tragédias semelhantes: em 2019, a cerveja “Belorizontina” da Backer foi contaminada, intoxicou 29 pessoas e matou 10. Esses casos reforçam a urgência de fiscalizar a procedência das bebidas e entender os direitos do consumidor.
Mas, e quando há adulteração clandestina, de quem é a responsabilidade pelos danos causados?
Vício do produto × fato do produto
Segundo o Código de Defesa do Consumidor, o vício do produto ocorre quando há defeito na qualidade ou quantidade de um bem, mas que não chega a causar danos fora do próprio produto, como à saúde do consumidor.
Por exemplo, ao comprar uma garrafa de cerveja cuja qualidade esperada não é atingida (sabor estranho ou falta de álcool), mas que não causa intoxicação, existe um vício de qualidade.
Já o fato do produto (ou defeito do produto) é quando o defeito causa dano ao consumidor. No caso de bebidas com metanol, há fato do produto, pois o defeito (presença de metanol) gerou lesões graves ou mortes. Como resume o professor Flávio Tartuce: “no vício… o problema fica adstrito aos limites do produto (prejuízos intrínsecos). No fato ou defeito… há outras consequências, como danos materiais e morais”. Em outras palavras, se o problema extrapola o produto (como intoxicação, cegueira e até a morte, etc.), trata-se de fato do produto; se ficar só no mau funcionamento ou na decepção quanto à qualidade, é vício.
Responsabilidade do comerciante
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) impõe responsabilidade objetiva, independente da comprovação da culpa, aos fornecedores pela segurança dos produtos. Assim, não é necessário provar que o comerciante agiu com má-fé, bastando mostrar o defeito e que este, por si só, gerou danos. Porém, a forma de responsabilização do comerciante é diferente nos dois casos:
Vício do produto (art. 18 do CDC): todos os fornecedores na cadeia são solidariamente responsáveis pelo vício, ou seja, todos respondem conjuntamente. Se um produto é entregue com defeito (por exemplo, embalagem violada, produto impróprio ou diferente do prometido), o consumidor pode exigir reparação de qualquer um deles, inclusive do comerciante. Isso inclui fabricante, importador, distribuidores e também o comerciante que vendeu o produto. Como já decidiu a jurisprudência, reconhecida a responsabilidade pelo vício do produto (art. 18), ela é solidária entre os fornecedores. Na prática, o consumidor pode pedir ao comerciante a troca do produto, o reembolso do valor pago ou o abatimento proporcional do preço (art. 18, §1º do CDC) e ainda ser indenizado pelos prejuízos eventualmente causados.
Fato do produto (art. 12 do CDC): aqui, o comerciante responde subsidiariamente, ou seja somente após esgotada a verificação de algumas hipóteses. Primeiro são responsabilizados o fabricante, produtor, montador ou importador, que têm responsabilidade objetiva pelos danos causados (independentemente de culpa). O comerciante só será responsabilizado se não for possível acionar esses demais elos ou se o produto não tiver identificação clara (art. 13 do CDC). Ou seja, se você ficar doente por beber um destilado adulterado, o ideal é que a ação seja movida contra quem produziu/importou o lote. Caso não se consiga identificar o fabricante ou ele não possa ser acionado, aí sim o comerciante (quem lhe vendeu a bebida) responde subsidiariamente pelos danos. Em resumo: no vício, o comerciante é solidário; no fato, só responde se os outros fornecedores não puderem ser responsabilizados.
Segundo o Codigo de Defesa do Consumidor, em caso de acidente de consumo – aqui, a intoxicação pela bebida adulterada – todos os fornecedores na cadeia de consumo têm responsabilidade objetiva e solidária pelo dano. Em regra (art. 12), o fabricante (ou importador, produtor etc.) responde independentemente de culpa pelos danos causados por defeitos do produto. Porém, o próprio Estatuto Consumerista prevê excludentes:
a) Quando o fabricante provar que não colocou o produto no mercado;
b) Quando o fabricante provar que o defeito inexiste; ou
c) Quando o fabricante provar que houve culpa exclusiva de terceiro.
Assim, se a adulteração foi feita por alguém que não integra formalmente a linha de produção – por exemplo, um vendedor informal ou distribuidor fraudador – o fabricante pode não ser responsabilizado, pois a “culpa exclusiva do terceiro” (§3º do art. 12) afasta seu dever de indenizar.
Se o fabricante é exonerado (por provar que o produto foi adulterado após sair de suas mãos), o consumidor fica sem a pessoa principal para indenizá-lo. Nesse cenário, entra em jogo o art. 13 do CDC, que impõe responsabilidade subsidiária ao comerciante. O CDC dispõe que “o comerciante é igualmente responsável” (nos termos do art. 12) quando:
a) o fabricante não pode ser identificado ou acionado;
b) o produto foi fornecido sem identificação clara do fabricante;
c) houve falha na conservação de produtos perecíveis.
Mas e se a bebida foi adulterada sem que o fabricante soubesse, e o comerciante comprou de um vendedor informal? Sem uma nota fiscal ou documento que ateste a procedência? Nessa situação concreta:
O comerciante, embora tenha adquirido a mercadoria sem saber da adulteração, ele foi quem forneceu o produto ao consumidor. Como não há como identificar o fabricante ou este não pode ser acionável, seja pela excludente de responsabilidade e falta de comprovação de procedência, é o comerciante que responde por colocar o produto ao mercado de consumo.
Obviamente, o terceiro adulterador (vendedor informal/distribuidor fraudador) – se identificado, ele seria o responsável direto (até criminal) pela adulteração e também civilmente, pois causou o dano. Porém, quando esse terceiro não é localizado ou não tem bens, o consumidor volta a exigir ressarcimento de quem participou da cadeia de consumo.
Conclusão
Como regra, o CDC objetiva proteger o consumidor, assegurando que o prejuízo seja reparado por algum fornecedor da cadeia. O art. 7º, parágrafo único do CDC é claro: “Tendo mais de um autor da ofensa, todos responderão solidariamente” pela reparação do dano. Embora o art. 13 limite a responsabilidade do comerciante às hipóteses legais, no caso concreto da bebida adulterada pelo intermédio, não há outro responsável civil viável além dele. Por isso, em caso de intoxicação comprovada, é lícito (e recomendável) que o consumidor demande o comerciante (e eventualmente todo o restante da cadeia disponível) para ser ressarcido.
Bebidas Adulteradas com Metanol e Responsabilidade do Comerciante
Pablo Morilhas