O Estado Civil "Divorciado": Uma Rotulagem Jurídica Ainda Necessária?
No ordenamento jurídico brasileiro, o estado civil compõe uma das características fundamentais da personalidade civil do indivíduo, junto ao nome, à nacionalidade e ao domicílio, por exemplo.
Pablo Morilhas
5/9/20254 min read


No ordenamento jurídico brasileiro, o estado civil compõe uma das características fundamentais da personalidade civil do indivíduo, junto ao nome, à nacionalidade e ao domicílio, por exemplo. Trata-se de uma qualificação jurídica que não apenas identifica a situação conjugal perante o Estado, mas também cumpre função prática em negócios jurídicos, cadastros, relações contratuais e familiares, com reflexos patrimoniais, inclusive. Dentre os estados civis possíveis, o "divorciado" talvez seja o mais controverso — não por sua função, mas pelo significado e o peso que carrega.
Por que não voltamos a ser "solteiros" após o divórcio?
Essa é uma pergunta recorrente entre clientes e leigos: uma vez que o casamento foi dissolvido, por que o estado civil não retorna ao de solteiro? A resposta, por ora, é técnica: segundo a legislação brasileira — em especial a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973) —, o casamento e seu eventual rompimento devem constar nos registros civis como eventos jurídicos relevantes e permanentes. Assim, uma pessoa que contraiu casamento e se divorciou jamais volta, juridicamente, ao estado de solteira, salvo em caso de nulidade absoluta do matrimônio.
Tramita desde 2010 um projeto de lei que propõe permitir que pessoas divorciadas escolham se identificar como solteiras. No entanto, até o momento, não houve avanço legislativo nesse sentido
O termo "divorciado" ainda é necessário?
Do ponto de vista prático, a resposta é cada vez mais incerta. A distinção entre “solteiro” e “divorciado” possui pouca ou nenhuma relevância jurídica na maioria dos contextos cotidianos. Apenas em situações específicas — como a análise de regimes de bens anteriores, obrigações patrimoniais ainda não partilhadas ou ações familiares correlatas — a identificação como “divorciado” pode ser útil. Fora isso, trata-se de um rótulo mais simbólico do que funcional.
O problema está justamente nesse simbolismo: por que insistimos em rotular alguém com base em um vínculo que já não existe? A resposta, ainda que jurídica, é também cultural. A manutenção do termo “divorciado” parece guardar relação direta com uma tradição que entende o casamento como um marco determinante e irreversível na vida do indivíduo — como se a vivência conjugal deixasse uma cicatriz permanente.
Além disso, relembrar sempre de um vínculo passado que já se encerrou — e, muitas vezes, de forma dolorosa — é impor ao indivíduo o peso de uma história que ele busca superar. A manutenção do estado civil “divorciado” pode ocorrer, em muitos casos, como um lembrete de um ciclo que não teve um desfecho feliz, revivendo emoções negativas e experiências que já não fazem parte de sua realidade presente. É carregar consigo algo que já descarregou.
Um resquício cultural?
Para muitos estudiosos, a manutenção do estado civil “divorciado” é um reflexo de padrões sociais enraizados em uma visão conservadora de família, própria de outras épocas. O sociólogo Antonio Alves de Almeida, por exemplo, aponta que a Lei do Divórcio no Brasil é de 1977, período em que havia forte resistência cultural ao fim do casamento. A mulher divorciada, especialmente, enfrentava um estigma social que afetava sua vida pessoal e profissional.
Ainda que tais preconceitos tenham perdido força nas últimas décadas, é inegável que a terminologia legal preserva vestígios dessa mentalidade. Não se trata aqui de defender bandeiras ideológicas, mas de reconhecer que o Direito — como construção humana e histórica — evolui junto à sociedade. E muitas vezes, atrasa em relação a ela.
O impacto na identidade e na vida social
Não é apenas o jurídico que se importa com classificações como “solteiro” ou “divorciado” — a psicologia também. Estudos apontam que o estado civil influencia a autoimagem e o sentimento de pertencimento social. Em determinados contextos culturais ou religiosos, o termo “divorciado” ainda carrega uma carga de julgamento, afetando a autoestima de muitas pessoas.
Não se trata, portanto, de uma discussão meramente gramatical. A escolha dos termos no Direito influencia percepções sociais, relações pessoais e até decisões institucionais. Basta observar que ainda se exige a declaração de estado civil em currículos, cadastros e entrevistas de emprego — mesmo quando essa informação é irrelevante.
E o que pode (ou deve) mudar?
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A revisão do uso obrigatório do termo “divorciado” é uma pauta legítima, que precisa ser tratada com seriedade, sem paixões ou polarizações ideológicas. Não se trata de apagar o passado jurídico de alguém, mas de permitir ao indivíduo maior liberdade de autodefinição. Se o casamento acabou legalmente, por que o seu registro precisa seguir adiante como uma espécie de “etiqueta” indefinida?
Na prática, a flexibilização do estado civil poderia coexistir com a precisão dos registros — a certidão de casamento e a averbação do divórcio continuam existindo e produzindo efeitos jurídicos. O que se discute é apenas a forma como o cidadão escolhe se apresentar, especialmente em situações em que essa informação não interfere na segurança jurídica de terceiros.
Conclusão
O estado civil “divorciado” cumpre, hoje, mais uma função simbólica do que prática. Como muitas outras estruturas jurídicas, talvez esteja na hora de revisálo à luz da realidade atual, sem apelos ideológicos ou rupturas forçadas — mas com o olhar técnico, humanizado e evolutivo que o Direito contemporâneo exige.
O Estado Civil "Divorciado": Uma Rotulagem Jurídica Ainda Necessária?
Pablo Morilhas